quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Dramas de um exilado que não suportava a ditadura
Filme contará a vida de Afonso Lana, que foi exilado político
Núbia Mota
Repórter
Jornal Correio de Uberlândia
Atualizada: 25/08/2008 - 11h30min

do texto
“A luz que surgiu por trás da Colina” é um documentário que começa a ser filmado no fim deste ano e contará a vida de um professor universitário de Uberlândia. Ele é Afonso Celso Lana Leite, 63 anos, natural de Ouro Preto (MG), docente do curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), casado e pai de três filhos. Até aí, uma história como outras, a não ser pelo período de 11 anos vividos a partir do fim da década de 60.O ex-estudante de veterinária envolveu-se no movimento estudantil em plena ditadura militar. Na época, era motivo suficiente para ser perseguido, ameaçado, preso, torturado e exilado. Primeiro, Afonso foi mandado para o Chile, depois para a Alemanha.O vídeo de 52 minutos deverá ficar pronto em abril de 2009 e conta com o incentivo do Programa de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro - DOCTV, da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura. A notícia do incentivo foi dada nacionalmente no dia 15 deste mês. Dos 54 projetos de documentário aprovados no País para serem produzidos a partir de 6 de outubro, apenas quatro foram destinados a Minas Gerais. Três deles para a capital mineira e um para Uberlândia. “Essa é a primeira vez na história, desde a primeira edição do DOCTV, em 2003, que o interior de Minas tem um projeto aprovado. Um motivo extra para comemorarmos”, disse o cineasta Carlos Antônio Santos Segundo, que será o diretor do filme e viajará para os lugares onde o personagem esteve, ao lado do próprio Afonso Celso e de outros quatro profissionais envolvidos na produção. A equipe inicia a pré-produção em outubro e, em novembro, segue para Santiago, no Chile, depois para a cidade de Dresden, na Alemanha. Por último, a equipe retorna para o Brasil, onde captará imagens em Ouro Preto, Belo Horizonte e Rio de Janeiro - locais onde o protagonista passou momentos impactantes de sua militância. Depois de pronto, em abril, o vídeo deverá ser transmitido em canal aberto na Rede Minas, Canal Brasil e TV Cultura. “Este vai ser um divisor de águas na minha carreira. O filme pode ganhar uma proporção que talvez a gente não tenha nem noção. Vai poder rodar em festivais nacionais e internacionais e ganhar outra atmosfera”, afirmou o diretor. Participação no comando de libertação
O nome Colina tem sentido metafórico no título do documentário, dando a idéia de trazer a luz por trás de algo que a esconde, mas na verdade é a sigla do Comando da Libertação Nacional, do qual Afonso Lana fez parte. O Colina foi a organização brasileira de esquerda que combateu o regime militar a partir de 1964, com o objetivo de instalar um estado de inspiração soviética no Brasil. Militância começou no DA
Afonso Celso Lana Leite era estudante da Faculdade de Veterinária, hoje pertencente à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Em 1967, montou uma chapa para concorrer ao Diretório Acadêmico (DA), com vitória consolidada. No dia da posse, o estudante, na época com 22 anos, propôs uma passeata contra a possível privatização da faculdade. “Eles queriam cortar a verba de pesquisas e isso inevitavelmente levaria a uma privatização. Basicamente, foi isso, mas a situação era muito maior”, disse Afonso. Depois de participar de manifestações ao lado de outros jovens, o estudante passou a ser perseguido. “Eu ia fazer prova e tinha professor me vigiando. Achavam que eu colava. Eu me envolvia nessas movimentações e minhas notas continuavam boas, mas eu estudava muito no fim de semana. Fui preso umas três vezes. Uma vez por agressão à polícia, que não era verdade.”Até que, em 1968, entrou no grupo guerrilheiro Colina, que dá nome ao filme e é sigla do Comando da Libertação Nacional. Um ano depois foi pego pelos militares e ficou por dois anos preso em Juiz de Fora (MG), passando por todos os tipos de tortura. “Saí porque um grupo de guerrilheiros seqüestrou um embaixador suíço e como resgate pediram a vida de 70 presos, eu estava no meio. Muitos morreram depois que saímos da prisão.” Pouco tempo depois, Afonso foi exilado para o Chile, onde estudou Artes Plásticas, conheceu sua esposa, Maria do Rosário, e foi perseguido também pelo governo do general Augusto Pinochet. De lá partiu para o segundo exílio, na Alemanha, onde nasceu a sua filha mais velha. Depois da anistia, em 1978, Afonso terminou seus estudos naquele país e voltou para o Brasil, desde quando passou a ser professor da UFU.Afonso analisa sua história como um mero espectador. “Para mim, não é sofrido, não, é como contar um caso. Duro é na hora, e também muitos passaram por isso. Só tem duas soluções para quem passa a experiência que eu passei. Ou você adquire força, ou você perde força. Eu adquiri.”
Slogan da época era “Brasil, ame-o ou deixe-o”
A crise político-institucional da qual nasceu o regime militar começou com a renúncia do presidente Jânio Quadros em 1961. Agravou-se durante a administração de João Goulart (1961-1964), com a radicalização populista do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e de várias organizações de esquerda e com a reação da direita conservadora. O slogan da época era "Brasil, ame-o ou deixe-o".Goulart tentou mobilizar as massas trabalhadoras em torno das reformas de base, que alterariam as relações econômicas e sociais no País. Isso levou o empresariado, parte da Igreja Católica, o alto comando militar e os partidos de oposição, liderados pela União Democrática Nacional (UDN) e pelo Partido Social Democrático (PSD), a denunciar a preparação de um golpe comunista, com a participação do presidente. Várias manifestações ocorreram neste período. Para evitar a guerra civil, Goulart abandonou o País e refugiou-se no Uruguai. O general Castelo Branco tomou posse, seguido pelo general Costa e Silva. Até que, em 1969, a Junta Militar escolheu o novo presidente, o general Emílio Garrastazu Médici. Seu governo foi considerado o mais duro e repressivo do período, conhecido como "anos de chumbo". A repressão à luta armada cresceu e uma severa política de censura foi colocada em execução. Jornais, revistas, livros, peças de teatro, filmes, músicas e outras formas de expressão artística foram censurados. Muitos professores, políticos, estudantes, músicos, artistas e escritores foram investigados, presos, torturados ou exilados do País.

Ficha técnica
Dados
Documentário: “A luz que surgiu por trás da Colina”Duração: 52 minutosInício da produção: outubroInício da captação de imagens: novembro Lugares filmados: Santiago, Dresden, Ouro Preto, Belo Horizonte e Rio de JaneiroFinalização: abrilTransmissão: não divulgada
EquipeCarlos Antônio Santos Segundo - diretorClóvis Cunha – produtorChico de Assis – co-direção e direção de arteAderico Lucas – fotografia e captação de imagemEdinardo Lucas – apoioGuilherme Lopes – produtor

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